As Mulheres Mẽbêngôkre na III Marcha das Mulheres Indígenas

Organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade - ANMIGA, III Marcha das Mulheres Indígenas fez tremer o chão das ruas da capital federal ao som dos maracás e do canto escaldante de mais de 8000 mulheres indígenas de todos os biomas do Brasil mobilizadas em defesa da biodiversidade, entre elas 208 mulheres Mẽbêngôkre associadas às instituições representativas deste povo, tais como Instituto Raoni, Instituto Kabu, Instituto Paiakan, Associação Indígena Pykore, Associação Angrokrere Mẽbêngôkre e Associação Floresta Protegida. Acampadas no Complexo Cultural da Funarte e com o tema "Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade Pelas Raízes Ancestrais", a III Marcha das Mulheres Indígenas ocorreu entre os dias 11 a 13 de setembro, sendo uma colorida manifestação da maior expressão do movimento indígena organizado de mulheres em defesa de seus direitos e pela preservação da biodiversidade e de suas culturas.


Foto de Carolina Sobreiro


Em parceria com a marca Arte Indígena do Instituto Raoni, a Cooperativa Kayapó de Produtos da Floresta - CooBaY, esteve presente com a sua loja móvel no acampamento localizado no Complexo Cultural Funarte, levando artesanato, cestaria, camisetas, arte em miçanga da marca Meprodjà e pintura corporal realizada a partir de um patrimônio riquíssimo de milhares de grafismos que faz parte das mulheres do povo Mẽbêngôkre e que cujo conhecimento é transmitido oralmente de geração a geração.


Foto de Daniela Pinheiro


A participação das mulheres Mẽbêngôkre no movimento indígena organizado e de mulheres vem de vários anos, com o protagonismo e liderança das filhas do falecido Paulinho Paiakan, Ô-é Paiakan Kaiapó, Tânia Paiakan Kaiapó, Maial Paiakan Kaiapó e Iremão Paiakan Kaiapó, elas tem trilhado uma trajetória de articulação comunitária, empoderamento e ocupação de diferentes espaços de defesa de direitos e decisão em diversas instituições, tanto no movimento organizado de mulheres, como na saúde indígena, na Fundação Nacional dos Povos Indígenas - Funai, na Associação Floresta Protegida e na academia. Embora a liderança no povo Mẽbêngôkre tenha sido por muito tempo transmitida através das linhagens masculinas, Paulinho Paiakan levou suas filhas para a cidade para que pudessem estudar, se preparar para lidar melhor com os desafios das relações inter-étnicas com o restante da sociedade nacional e com esses elementos também dar continuidade ao seu legado de liderança tradicional.



Ô-é Paiakan Kaiapó, filha mais velha e herdeira de Paulinho Paiakan de seu cargo de liderança tradicional, tomou posse em cerimônia tradicional realizada na aldeia Mojkarakô, como cacica da aldeia Krenhedjã e também como liderança regional do sul do Pará. Assistente social e mestranda em antropologia pela UFPA, trabalhou no DSEI de Redenção, sendo representante do CONDISI, trabalhou na Associação Floresta Protegida executando um projeto do Fundo Amazônia, como articuladora comunitária, membro atuante da Anmiga e atualmente Coordenadora Regional da CR de Tucumã - PA da Fundação Nacional dos Povos Indígenas.



Atual assessoria da presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas - Funai, Maial Paiakan Kaiapó é a primeira pessoa do povo Mẽbêngôkre a acessar o ensino superior, formando-se em direito e atuando na diplomacia de seu povo, no movimento indígena nacional e internacional, tendo coordenado a tradução para a língua materna dos Mẽbêngôkre a Convenção 169 da OIT e os artigos 231 e 232 da Constituição Federal que tratam sobre os direitos dos povos indígenas. Realizou oficinas de direito para seu povo no âmbito do projeto Tradição e Futuro na Amazônia, impactando com o seu conhecimento a mais de 200 pessoas.


Foto de Daniela Pinheiro


A liderança tradicional do povo Mẽbêngôkre está se transformando, mulheres estão sendo legitimadas em cerimônias de posse como cacicas e lideranças regionais, estão conquistando espaços de empoderamento, visibilidade, reconhecimento, decisão e prestígio em suas comunidades e organizações de base. Neste ano tomaram posse as cacicas Bekwynho Kayapó e Panh ô Kayapó, das aldeias Mejkare e Ngôjamroti, respectivamente, localizadas no Riozinho da TI Kayapó. As mulheres estão demonstrando que são guardiãs da cultura ao saber também como falar formalmente em sua língua, representando as reivindicações e anseios de suas comunidades. 


Foto de Daniela Pinheiro


Recentemente o movimento de mulheres Mẽbêngôkre tem se tornado mais numeroso e potente, é um processo que tem se fortalecido nos últimos anos, tendo participado das Marchas dos anos anteriores e da Caravana das Originárias. É um momento em que ganha visibilidade e se empodera uma força coletiva feminina que sempre esteve ativa em sua comunidade, sendo que as mulheres são as donas do anel de casas em suas aldeias e são responsáveis pelo sustento, suministro de água e lenha e pelo cuidado da família e suas roças. Cada vez mais as mulheres Mẽbêngôkre estão ocupando espaços de defesa de direitos, nas atividades de suas associações, nos projetos, eventos e mobilizações nacionais do movimento indígena, onde até pouco tempo atrás só atuavam os homens. As mulheres Mẽbêngôkre trazem uma potência e uma força que se manifesta primordialmente através da força espiritual de um poderoso canto, da pintura corporal e da dança, pois para elas a melhor forma de enfrentar as adversidades é mostrar a sua cultura e falar em defesa da terra e da preservação do meio ambiente para o Bem Viver das futuras gerações.


Foto de Daniela Pinheiro


Realizado em julho de 2022, o I Encontro de Mulheres Indígenas Mẽbêngôkre da Associação Floresta Protegida, Menire Tyj reuni mais de 40 mulheres Mẽbêngôkre na aldeia Tekrejarotire da Terra Indígena Las Casas, conduzida por Ô-é Paiakan Kaiapó, Tânia Paiakan e Maial Paiakan, deixou um sua Carta à AFP a reivindicação de que as mulheres Mẽbêngôkre pudessem participar dos espaços dos projetos e atividades da Associação Floresta Protegida, assim como em eventos, espaços de defesa de direitos, de decisão e de controle social de políticas públicas. Esse momento foi um marco para a organização comunitária das mulheres, pois desde então têm conquistado mais espaços e se proposto também a indigenizar e feminizar a política e a cidadania desde sua organização de base. 


Em outubro de 2022 foi realizado o I Encontro de Mulheres Mẽbêngôkre e Panará que reuniu mais de 165 mulheres na aldeia Piaraçú - Terra Indígena Capoto Jarina em Mato Grosso, organizado em parceria entre o Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Iakiô Panará e Associação Floresta Protegida. Com o tema "Semear em cada canto um pouco de todas nós: Mulheres reflorestando pensamentos para adiar o fim do mundo!", a condução do evento foi realizada por Tsitsina Xavante e a cobertura midiática realizada pelos comunicadores das instituições organizadores e da Rede Xingu+. O evento abordou discussões a respeito dos temas: Saúde das Mulheres Indígenas, Educação Indígena, Participação Plena e Efetiva das Mulheres, Segurança Alimentar e Nutricional, Proteção Territorial, e sobre a Memória etno-histórica das lutas do movimento indígena a nivel nacional sob a perspectiva Mẽbêngôkre.


As diferentes atividades da III Marcha ocorreram com o propósito de trazer visibilidade para o papel das mulheres indígenas na conservação da biodiversidade denunciar e combater a violência de gênero contra elas, assim como reivindicar a defesa dos direitos indígenas diante das iniciativas legislativas que atacam esses direitos, sobretudo o direito à terra, ameaçado pelo Marco Temporal que tramita nos três poderes em diferentes iniciativas burocráticas com o objetivo de paralisar a demarcação de terras indígenas. 



O Marco Temporal é uma tese jurídica inconstitucional que afirma que somente aqueles povos que estivessem na posse ou em litígio pelas suas terras no 5 de outubro de 1988, ano de promulgação da Constituição Federal, teriam direito à sua efetiva demarcação, excluindo dessa possibilidade diversos povos que foram massacrados e despojados de alguma forma de seus territórios tradicionais, impossibilitando-os de recuperar plenamente seus territórios ancestrais. É uma tese injusta porque desconsidera que em 1988, durante a ditadura, prevalecia ainda o regime da tutela, e os povos indígenas eram impedidos de entrar em juízo em defesa de seus direitos, dessa forma, não poderiam estar em litígio pelas suas terras. Por outro, trata-se de uma tese inconstitucional, pois o direito à terra para os povos indígenas é originário, anterior a própria existência do Estado e da nação brasileira, tendo que ser respeitado sem limitações a nivel temporal, pois os povos indígenas habitam o continente americano há milhares de anos.


O julgamento da RE 1017365 no Sumpremo Tribunal Federal, caso que se refere a uma ação da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina contra o povo Xokleng e a Funai, em relação a TI Xokleng, cuja demarcação está pendente, inclui a votação para definir se o Marco Temporal será estabelecido en todas as instâncias dos três poderes. A continuação da votação está marcada para o próximo dia 20 de setembro, ocasião em que haverá uma grande mobilização dos povos indígenas para incentivar o STF a cumprir seu papel institucional de salvaguardar a Constituição Federal e fazer com que prevaleça o direito originário à terra para os povos indígenas.


No dia 11 de setembro, às 19 horas no Supremo Tribunal Federal em Brasília foi realizado o lançamento da Convenção 169 na língua materna do povo Mẽbêngôkre. Traduzida com a coordenação de Maial Paiakan Kaiapó, formada em direito e lierança do povo Mẽbêngôkre, o material foi revisado em oficinas com a presença de mais de 200 pessoas do povo no âmbito do projeto Tradição e Futuro na Amazônia, patrocinado pelo Programa Petrobrás Socioambiental e pelo Funbio. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é ratificada pelo Brasil e em vigor há quase 20 anos, garante o direito a consulta prévia livre e informada aos indígenas em relação a qualquer projeto de infraestrutura, políticas públicas e qualquer iniciativa que impacte de alguma forma os seus territórios e modos de vida. Contou com a presença do diretor do Escritório da OIT para o Brasil, Vinicius Carvalho Pinheiro, da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, do Ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, do Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, e do presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Lelio Bentes, além do cacique Ropni Metyktire e dezenas de mulheres e lideranças do povo Mẽbêngôkre que embelezaram o momento do lançamento com os seus cantos. Na oportunidade as lideranças reivindicaram da ministra Rosa Weber a não aprovação da tese do marco temporal e exigiram a realização da consulta plena, livre e informada que garanta um processo de licenciamento ambiental apropriado para a duplicação da BR 163, que impacta os Mẽbêngôkre da Terra Indígena Bau e Mekragnotire.


Foto de Daniela Pinheiro


O reconhecimento local, nacional e global do papel das mulheres indígenas na conservação da biodiversidade e na luta em defesa de seus territórios é fundamental e imprescindível para o enfrentamento das mudanças climáticas que vem mostrando com força seus impactos em diversos lugares do mundo com ondas de calor e enchentes desastrosas. São os territórios indígenas que protegem a maior parte de áreas conservadas e estocam a maior quantidade de carbono, sendo guardiões da maior concentração do biodiversidade da terra e das áreas menos desmatadas. A conservação e proteção do que resta de floresta em pé no planeta é fundamental para a construção de estratégias para enfrentar de modo a amenizar as mudanças climáticas e a valorização do papel das mulheres nesse processo está ganhando mais visibilidade. Não existe justiça climática sem a demarcação de terras indígenas nem o reconhecimento da importância do papel das mulheres indígenas com o cuidado da terra.


Foto de Daniela Pinheiro



PROGRAMAÇÃO III MARCHA DAS MULHERES INDÍGENAS – MULHERES BIOMAS EM DEFESA DA BIODIVERSIDADE PELAS RAÍZES ANCESTRAIS



10 de setembro (Domingo)



  • Credenciamento durante o dia todo para imprensa e afins no local do acampamento


  • Chegada das delegações durante o dia


  • 19h – Abertura da Marcha Oficial


  • Apresentação das delegações das originárias: Indígenas Mulheres Biomas.


  • Lançamento de livros e sites das mulheres indígenas Bioma Amazônia- FOIRN e outros Biomas.


11 de setembro (segunda-feira)



  • 8h – Grupo de Trabalho temático por Biomas:


  • Emergências Climáticas, Biodiversidades, Reflorestarmentes, Saúde mental, Acessibilidade indígena e Violência de Gênero


  • 14h – Apresentação dos grupos temáticos – Biomas Cerrado, Mata Atlântica, Amazonia, Pantanal, Caatinga e Pampa


  • 15h – Plenária Reflorestando o Congresso – com a Bancada do Cocar


  • 16h – Tribunal das ancestralidades – Juri das mulheres indígenas


  • 18h – Lançamento da cartilha de violência de gênero (ANMIGA e IPRI)


  •  20h- Noite Cultural: I festival das Indígenas Mulheres Biomas


12 de setembro (terça-feira)



  • 8h – Plenária Internacional: Mulheres água


  • 11h – Plenária Internacional: Mulheres Sementes – Secretarias Estaduais indígenas e convidadas


  • 14h – Fortalecimento entre elas e para elas: Mulheres Indígenas, Negras, Quilombolas ocupando espaços de poder Municipais, Estaduais, Nacionais e Internacionais


  • 16h- A Bancada do cocar e as Mulheres Biomas na Política


  • 20h- Noite: Desfile das Originárias da Terra


13 de setembro (quarta-feira)



  • 8h – III Marcha das Mulheres Indígenas: Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade pelas Raízes Ancestrais.


  • 14h- Diálogo com as Ministras sobre a Carta que foi entregue na Pré marcha: “
  • Vozes da Ancestralidade dos 6 biomas do Brasil

”.


  • 16h- Leitura do documento final das originárias


  • 18h- Show de encerramento com as artistas indígenas Mulheres e convidadas: A Cura Do Mundo Somos Nós. (Artistas mulheres dos 06 Biomas)


Para saber mais e doar: https://anmiga.org/