As nire na II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas em Brasília

As nire (as mulheres em Mẽbêngôkre) Mẽbêngôkre do sul do pará das aldeias associadas a Associação Floresta Protegida se organizaram para participar da II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas. Realizada entre os dias 7 a 11 de setembro de 2021 na capital federal, a marcha teve como tema "Mulheres originárias: Reflorestando mentes para cura da terra". Foto de capa: @mvelos2 | @midianinja

📸 Raissa Azeredo @raissaazeredo | @aldeiamultietnica


Mais de 5000 mulheres de todas as regiões do país se organizaram de acordo com o seu bioma de origem. Mais de 172 povos indígenas diferentes foram representados por mulheres que vieram da Amazônia, Cerrado, Pampa, Caatinga, Pantanal e Mata Atlântica para ocupar as ruas da capital com sua força, cantos, rezas e protestar contra o atual governo, o Marco Temporal, o patriarcado e o racismo.




A última marcha ocorreu em 2019, com o tema "Território: nosso corpo, nosso espírito". Existe o entendimento de que há um paralelo entre o território e o corpo das mulheres, que também sofrem opressões análogas àquelas vividas por aqueles. Sendo assim, e pela conexão especial que as mulheres indígenas nutrem com a terra, elas realizam um protagonismo fundamental nas diferentes estratégias que os povos desenvolvem para cuidar e proteger seus territórios.


Realizou-se uma homenagem e protesto em vista dos brutais feminicídios de Daiana Kaingang e Raissa Guarani Kaiowá. No mesmo sentido, apoiou-se a homenagem prestada pelo povo Pataxó Ha hã hãe ao índio galdino, que foi assassinado queimado enquanto dormía numa parada de ônibus em Basília, por um grupo de adolescentes. Sobre isso as redes da anmiga afirmam: "Nós mulheres Indígenas seguimos em marcha a mais de 5 séculos. E continuaremos marchando contra a violência de gênero, não queremos mais ver as nossas meninas violentadas em nome do patriarcado e do racismo. "


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As atividades da marcha ocorreram no contexto do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do caso da reintegração de posse movido pelo Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina contra a FUNAI e o povo Xokleng. Trata-se da questão da demarcação da TI Ibirama Laklanõ, localizada no Alto Vale do Itajaí em Santa Catarina. Além do povo Xokleng, neste território também vivem comunidades dos povos Guarani e Kaingang. O caso, ao chegar ao Supremo Tribunal Federal, adquiriu status de repercussão geral ( (RE) 1.1017.3655 ), fazendo com que seu resultado possa definir o destino das demarcações de terra no país. Devido à intensidade do impacto que essa decisão pode ter no rumo de todas as demarcações de terra no país, é considerado o julgamento do século para os povos indígenas.


O Marco Temporal é uma tese jurídica que afirma que somente aqueles povos que estavam na posse ou na justiça reivindicando suas terras na data de promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) teriam direito a sua efetiva demarcação. A tese é injusta porque desconsidera o direito originário a terra dos povos indígenas, que não deveria ter qualquer limitação de índole temporal, tendo em vista que o direito originário é considerado anterior a própria consolidação do estado brasileiro, conforme a tese do Indigenato que fundamenta os direitos indígenas reconhecidos na Constituição Federal. 


📸 Raissa Azeredo @raissaazeredo | @aldeiamultietnica

Os indígenas têm direito à demarcação de seus territórios tradicionalmente ocupados desde que nascem, por serem povos originários, sem qualquer necessidade de comprovação documental. De acordo com a constituição o direito à terra para os indígenas é originário, seu reconhecimento está dado previamente a qualquer formalização.


Inclusive, antes da constituição os indígenas eram considerados tutelados, o que os impedia de entrar em juízo em seu favor. Por outro lado, a tese desconsidera e invisibiliza os séculos de violência e expulsões que por tantas vezes despojaram aos indígenas de seus territórios tradicionais. Povos indígenas do Brasil inteiro se mobilizam em solidariedade ao povo xokleng e contra o marco temporal por entender que, independente do status na demarcação das terras de cada povo, o direito originário à terra diz respeito a todos.


Para saber mais sobre a mobilização do povo Mẽbêngôkre contra o Marco Temporal: https://florestaprotegida.org.br/noticias/povo-mebengokre-kayapo-em-luta-pela-vida


📸 Raissa Azeredo @raissaazeredo | @aldeiamultietnica


Com o pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes o caso permanece mais uma vez suspenso até novo aviso. Antes disso o voto de Nunes Marques, indicado para o cargo por Bolsonaro, defendeu as posições que convêm ao agronegócio, em favor do marco temporal. Anteriormente, o voto anterior do ministro Edson Fachin fora a favor dos direitos indígenas e contra a estipulação de uma limitação de índole temporal na consolidação de seus direitos territoriais. 


Acompanhado pela assessoria jurídica da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB -, Samara Pataxó afirma que os sucessivos adiamentos do julgamento o que fazem é "aumentar a tensão, os conflitos que já existem. Ainda estamos nessa insegurança jurídica". Outro aspecto a ser destacado pela assessoria é a atual paralização de todos os processos demarcatórios. A divergência entre as posições de ambos ministros representa também uma polarização da sociedade e duas perspectivas distintas sobre a nossa responsabilidade no cuidado da vida na terra. A tese do marco temporal traz insegurança jurídica para os povos indígenas que sofrem violências diante da prolongação das indefinições do julgamento.


📸 Kamikia Kisedje @kamikia.kisedje


Com grande repercussão midiática e uma extensa programação, as nire acompanharam as atividades da marcha acampadas no eixo monumental, em frente à Funarte. Prevista inicialmente para dia 09 de setembro, a marcha foi adiada para dia 10 de setembro, como medida de cuidado com as diferentes gerações de mulheres presentes. Diante das provocações que vieram de homens vestidos com camisetas com o dizer AGRO que se aproximaram do acampamento com o objetivo de hostilizar e intimidar as mulheres, a coordenação da marcha interpretou que seria mais prudente preservar a integridade de todas as mulheres e optaram por realizar a marcha em data mais conveniente. A presença dos manifestantes bolsonaristas que se aglomeraram na esplanada em dias anteriores ainda era perceptível. 


Assim, o julgamento no STF relativo ao marco temporal no dia 8 de setembro foi acompanhada pelas mulheres desde um telão instalado no acampamento. Em comunicado divulgado pela coordenação da II Marcha: "Viemos de todo o país realizar nosso encontro de mulheres, em um diálogo sobre as nossas pautas e acompanhar o que pode ser o julgamento mais importante para os direitos indígenas no país em décadas. O Marco temporal é uma aberração jurídica, elaborada por aqueles que financiam essas manifestações antidemocráticas, e que a todo custo, historicamente, tentam calar nossa voz, subjugar nossos corpos, assim como já fizeram no passado."


📸 Kamikia Kisedje @kamikia.kisedje



A II Marcha é uma iniciativa de luta pela vida, pela terra e o território. Um boneco do Bolsonaro foi arrastado pelas ruas da capital pelas mulheres e logo queimado, simbolizando o desejo de todas de dar fim ao projeto de morte desse governo.


Outro dos objetivos do encontro na II marcha foi o lançamento pela Anmiga- Articulação das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade, da iniciativa MANIFESTO REFLORESTARMENTES: Reflorestamento de sonhos, afetos, soma, solidariedade, coletividade e história. Um convite à humanidade para de urgência cuidar da Mãe Terra e de todos os seres. É considerado uma garantia para manter os corpos vivos e o bem-viver que todos merecemos. De acordo com o seu manifesto "Precisamos construir juntos um trajeto de vida e reconstrução, que se baseie no encontro entre os povos, no cuidado com nossa Terra, na interação positiva de saberes. É isso que propomos com o Reflorestarmentes. É possível vivermos e convivermos de outra forma, com outras epistemes, a partir de cosmologias ancestrais. Cuidar da Mãe Terra é, no fundo, cuidar de nossos próprios corpos e espíritos. Corpo é terra, floresta é mente. Queremos reflorestar as mentes para que elas se somem para prover os cuidados tão necessários com nosso corpo-terra."


📸 Raissa Azeredo @raissaazeredo | @aldeiamultietnica


Programação:


05/09 Dia Internacional das Mulheres Indígenas | Nota da Anmiga

Participação da Anmiga na Assembleia das Mulheres Indígenas Guarani kaiowá

Participação no ato do DIA DA AMAZÔNIA


06/09 Roda de conversa com as mulheres indígenas de diverso BIOMAS e 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal 


07/09 Chegada e acolhimento das delegações


08/09

II Fórum Nacional de Mulheres Indígenas

08:30h – Memória Póstuma de Raissa Guarani kaiowá e Daiane Kaingang

09h – Ritual de abertura das mulheres Biomas

13h – Audiência – diálogo com as mulheres biomas sobre acesso ao direito: Violência, direitos Sociais e direitos humanos

14h – Acompanhamento do julgamento sobre o Marco Temporal, na tenda principal do acampamento.


09/09

08:00h – Diálogo e alinhamento da agenda do dia, com as regionais por BIOMAS

11:00h: Diálogo e partilha de saberes com as mulheres indígenas de outro países

14:00h – Acompanhamento do julgamento sobre o Marco Temporal, na tenda principal do acampamento

17h – Pronunciamento da organização da II Marcha das Mulheres Indígenas

19:00h – Desfile, Descolonizando Moda da ANMIGA, com a participação de outras mulheres de BIOMAS.


10/09 

08:00h – II Marcha das Mulheres Indígenas

18:00h – Lançamento do ReflorestarMentes


11/09

Retorno das delegações para seus locais de origem

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