Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais

O ano de 2019 começou com uma ameaça gravíssima para a vida e os direitos dos povos indígenas. Logo no primeiro dia de janeiro, o recém eleito presidente Bolsonaro lança a MP 870, que promete desvincular a Funai do Ministerio da Justiça e com isso transferir o poder de demarcação de Terra Indígena e de gestão pública dos processos de licenciamento ambiental para o Ministério da Agricultura. Sabendo dos interesses do setor do Agronegócio que controla o Ministério na atual gestão, históricamente contrário aos direitos territoriais dos povos indígenas, os Mẽbêngôkre-Kayapó logo se organizaram para realizar um seminário na sede da Associação Floresta Protegida para discutir e aprimorar o seu conhecimento sobre o assunto. A medida, inserida em contexto geral de desmonte da política ambiental e indigenista, tinha como propósito fragilizar a política pública com o intuito de deixar as terras indígenas vulneráveis e expostas à exploração econômica predatória de terceiros. Diante dessa afronta, organiza-se um ato em adesão à Campanha promovida pela APIB chamada “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais”. A alusão ao sangue não é uma comparação fortuita, já que qualquer retrocesso na garantia dos direitos territoriais indígenas é um atentado contra própria vida de todos os indígenas que dependem da terra para existir e sem a qual correm o risco de ver-se em situação de enorme vulnerabilidade socioeconômica, política e espiritual. 


À diferença de tantas terras de outros povos que ainda aguardam, as Terras dos Mebengokre-Kayapó já foram demarcadas e homologadas. Contudo, havia grande preocupação pelo risco de invasão e redução das terras diante desse sentimento de autorização geral para o garimpo, exploração ilegal de madeira e grilagem promovidos pelos aberrantes discursos do novo presidente desavisado da existência da Constituição Federal de 1988 e dos pormenores de seus artigos relacionados aos direitos dos índios. Por outro lado, havia a necessidade de prevenir qualquer possibilidade de que se fossem instauradas medidas de arrendamento de terras indígenas, pois isso é algo que pode colocar em risco a biodiversidade e o estilo de vida dos Mẽbêngôkre-Kayapó ao desmatar ainda mais a floresta para impôr um modelo de desenvolvimento desigual e avesso. Ainda, era necessário demonstrar toda solidariedade com todos os povos que ainda aguardam pela demarcação de suas terras, enfrentando muitas formas de violência e despejo.


Reuniram-se em Tucumã cerca de 100 lideranças no dia 31de Janeiro na sede da Associação Floresta Protegida. Houve uma marcha passando pela avenida principal da cidade, dando uma volta pela praça e seguindo pela Av. Brasil em direção a Fundação Nacional do Índio - Funai. O ato foi uma manifestação de adesão à Campanha Nacional convocada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB, chamada “Sangue indígena, nenhuma gota a mais”. Reivindicou-se uma Funai inteira e não pela metade, como a MP 870 prevía. Com umas faixas com os dizeres "O Povo Kayapó exige Respeito!! À democracia, à constituição, aos nossos direitos e nossas terras!”, “A Floresta é nossa luta: É para o bem de todos”, “Funai inteira e não pela metade: Pela permanência da Funai no Ministério da Justiça”, percorremos a avenida ao som dos nossos cantos de guerra. O nosso manifesto foi uma iniciativa contra essa medida que desmonta as políticas públicas socioambientais, fere direitos fundamentais e deixa a mercê do agronegócio o poder de demarcação de TI.


Fotos de Takakumti Kayapó